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A dor da discriminação

Recebi da minha colega jornalista Jamile Menezes e-mail com a reportagem da jornalista Eliane Brum, publicada na revista Época, intitulada “Então é verdade, no Brasil é duro ser negro?”, que conta a dor da atriz Lucrécia Paco, de Moçambique, que sofreu discriminação racial em São Paulo.
Instigada pela repórter sobre ter sofrido discriminação racial na sua vida, a atriz, de 39 anos, contou ter sido discriminada racialmente em um shopping naquele dia (19/06). Uma cliente, loira, a acusou de tentar pegar sua bolsa na fila. Lucrécia estava em uma casa de câmbio para trocar dólares.

Num trecho da matéria a repórter relata: "Lucrécia conta que se sentiu muito humilhada, que parecia que a estavam despindo diante de todos. Mas reagiu. “Pois a senhora saiba que eu não sou imigrante. Nem quero ser. E saiba também que os brasileiros estão chegando aos milhares para trabalhar nas obras de Moçambique e nós os recebemos de braços abertos.” A mulher continuou resmungando. Um segurança apareceu na porta. Lucrécia trocou seus dólares e foi embora. Mal, muito mal. Seus colegas moçambicanos, que a esperavam do lado de fora, disseram que era para esquecer. Nenhum deles sabia que no Brasil o racismo é crime inafiançável. Como poderiam?"

Eliane Brum declarou que sentiu muita vergonha. Já Lucrécia afirmou que não consegue esquecer. “Não pude dormir à noite, fiquei muito mal”, diz na reportagem. “Comecei a ficar paranoica, a ver sinais de discriminação no restaurante, em todo o lugar que ia. E eu não quero isso pra mim.” Em seus 39 anos de vida dura, num país que foi colônia portuguesa até 1975 e, depois, devastado por 20 anos de guerra civil, Lucrécia nunca tinha passado por nada assim. “Eu nunca fui discriminada dessa maneira”, diz. “Dá uma dor na gente. ” Ela veio ao Brasil a convite do Itaú Cultural, que realizou até 26 de junho, em São Paulo, o Antídoto – Seminário Internacional de Ações Culturais em Zonas de Conflito.

Eu também sinto vergonha por isso. E até entendo, sei o que a atriz moçambicana sente. Mesmo sendo de pele clara, já passei por situação parecida quando, aos 18 anos, extremamente tímida, tinha ido morar em Recife (PE), para fazer faculdade. Naquela época, usava cabelos curtíssimos, rente à nuca, e me vestia com uma surrada calça jeans, camiseta e um tênis um tanto quanto sujo. Estava sozinha em uma loja da antiga Mesbla e ouvi uma mulher começar a dizer que foi roubada. Quando o segurança chegou, ela apontou pra mim como suspeita. Tremendo de vergonha e de medo, disse que nem tinha chegado perto dela. Eles me dispensaram e fui correndo pra casa, com o coração disparado. Lá em Recife não tinha muitos negros; a discriminação ficava contra os pobres ( ou que pareciam - eu não chegava a ser pobre, mas parecia uma). Minha vergonha foi tanta que nunca contei isto a ninguém, nem mesmo aos meus irmãos que moravam comigo. Hoje, 29 anos depois, ainda me sinto envergonhada. Naquela época, assim como a atriz Lucrécia, eu não sabia dos meus direitos. Não sabia que dano moral é crime, como ela não sabia que a discriminação racial o é.

Mesmo que eu não tivesse vivido esta história, estaria solidária à Lucrécia e a todos os negros que sofrem discriminação. Em nada a cor da pele torna alguém melhor.

Quem quiser ler a integra da matéria segue o link enviado por Jamile - uma negra guerreira: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI78162-15228,00-ENTAO+E+VERDADE+NO+BRASIL+E+DURO+SER+NEGRO.html

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