Assistir "Invictus", que fala sobre Nelson Mandela, me deixou comovida e feliz em ver que, mesmo que sejam exceções, existem pessoas capazes da grandeza do perdão. Tinha pensado em confabular com vocês sobre o filme e o tema, inclusive na questão política, mas ao ler artigo da minha amiga - também jornalista - Carla Ferreira. Temos crenças diferentes: ela - católica praticante; eu - espírita. Ambas, cristãs. Nada que impeça uma grande afinidade e amizade. Li, gostei e preferi pedi sua autorização e postar aqui o que ela escreveu. Confira e dê sua opinião sobre o filme ou sobre o tema.
Por: Carla Ferreira, jornalista.
A prática do perdão é um ponto fundamental para a liderança. Isto me veio à mente esta semana após assistir ao filme “Invictus”, que está em cartaz nos cinemas, sobre o líder Nelson Mandela - sobre quem não possuo um conhecimento aprofundado; mas o suficiente para citar nas palestras sobre liderança como exemplo de líder. A ótica abordada por Clint Eastwood em cima do roteiro de Anthony Peckham e as orientações que faço para uma palestra sobre liderança me reacenderam isto.
Não podemos ser líderes – sobretudo cristãos – se não colocamos em nossa rotina diária a prática do perdão. A mágoa, a angústia, os ressentimentos, o ódio, o rancor nos impedem de ver com serenidade a realidade e de discernir qual a melhor atitude a tomar em qualquer situação. Eles nos enturvam a visão; são capazes de nos afastar da causa (e olha que a nossa é nobre!) e desviar da missão.
Mandela passou a maior parte da vida (30 anos) atrás das grades por causa da opressão racista na África do Sul. Quando saiu e assumiu a presidência, buscou uma convivência saudável com os brancos que o tinham condenado, contrariando o desejo da comunidade negra, que era fazer do momento um motivo de reversão e opressão à casta dos que até então eram seus opressores. Que oportunidade de ‘descontar’, de ‘revidar’! Tudo em nome da igualdade. Igualdade? Houve, sim, uma articulação política nos atos de Mandela; ele precisava dos brancos para governar o país. E este era o caminho para sua missão. Mas nada que o impedisse de promover esta reversão histórica, dando menos poder aos que até então o tinham nas mãos.
Foi em proporções menores ao que viveu Jesus Cristo, nosso líder, ao se entregar por nós, e, antes de morrer, nos perdoar por tê-Lo crucificado. Mas foi mais um exemplo do cotidiano, que nos aproxima de Cristo. Mandela praticou o perdão. Não trazia na alma o rancor, apesar de ter sofrido repressões, sofrido torturas, quando procurou apoiar os brancos. E buscou um fator de união para reunir todos (brancos e negros) à sua causa (o restabelecimento da África do Sul), buscando cumprir sua missão. O fator de união que todo líder deve cultivar apela para a paixão, o afetivo - não o racional. Temos um fator de união, o seguimento a Jesus Cristo e a crença de que, através dele, o Reino de Deus se concretiza aqui e agora, isto é muito sério. Pena que às vezes esquecemos.
Por isto acredito que o perdão é caminho para a liderança - nos leva a reconhecer e superar nossas fraquezas. Deus sempre nos perdoa, temos que aprender a reconhecer isto, e saber perdoar. O perdão nos aproxima de Deus, nos ajuda a sermos líderes pelo Amor e a cumprirmos nossa missão - sempre amparados por esta causa nobre que nos une. A experiência com Deus é fundamental para o líder cristão e o perdão é fruto disso. Isto o filme também nos dá a dica: a legitimidade de Mandela ao enfrentar os negros, ao contrariar o esperado (boicotar os brancos), estava apoiada na experiência. Do que viveu, sofreu, por lutar por uma causa.
O ser exemplo através da persistência no cumprimento da missão é outro; nada o impedia de desviar da missão, ele sabia o que queria, o que acreditava e estava disposto a enfrentar qualquer barreira – até que passasse por cima de seus anseios e necessidades pessoais. A causa é mais importante. E outros: a visão da comunidade como um todo; o olhar do outro; o apelo à afetividade; o saber se posicionar ou calar na hora certa. Coisas do ser humano mesmo. Nada demais. Ouvi no Aprofundamento do Escalada este ano a seguinte frase: a principal característica da santidade é a humanidade. Tereza de Calcutá já dizia que a santidade é uma necessidade de todos nós. Somos capazes de aceitar o Chamado, de perdoar, de sermos líderes e de levar a causa de Jesus para todo canto. Basta a gente se propor e se lançar. O mundo precisa de nós.
O filme traz uma frase-efeito interessante: “agradeço a Deus por tudo, por eu ser senhor do meu destino e capitão da minha alma”. Deus criou cada um de nós com potencial para sermos líderes, temos todas as ferramentas em nossas mãos, em nosso corpo, mente, alma. O psiquiatra Roberto Crema, numa palestra sobre liderança no século XXI, falou que o ser humano é uma promessa, uma possibilidade, e que todos nós somos convocados para ser aquilo que nós somos (outra dica da liderança, buscar o encontro com nós mesmos) e que se investirmos na semente, na dimensão do coração, da alma, poderemos nos tornar seres humanos plenos: “quando você se coloca no seu caminho, que é o caminho da sua promessa, o caminho com coração, então o mistério conspira por você e você evolui de uma existência perdida, alienada, para uma existência escolhida, ofertada”.
Para Crema, nós não estamos aqui para a normalidade e sim para trazer uma diferença, para liderar e se nós não somos líderes é porque nós nos perdemos ou nos conformamos. Difícil esquecermos os rancores e mágoas que nos afastam de nossos irmãos, da causa, mas, basta a gente se propor, e rezar. Deus ‘assopra’ para nós os caminhos de buscarmos esta semente que guardamos dentro de nós. A gente precisa acreditar nisso. Gosto da frase da música “Canção da vida” : “A gente é que faz o destino da vida, Deus só participa com sopro de Pai”. É isto, e fica a dica do filme. "
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