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Em defesa do Conselho de Jornalismo

Ontem (25/09/08) enviei uma mensagem ao deputado federal da Bahia José Carlos Aleluia, referente à criação do Conselho de Jornalismo ( conselho de classe). Hoje recebi resposta através do assessor de imprensa, Tomaz Filho. Para que vocês tenham acesso à essa troca de mensagens, resolvi postá-las aqui. Abaixo, a mensagem que enviei, com os comentários recebidos no grupo do Sinjorba. É longa, mas leiam. É importante.
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Caro deputado
José Carlos Aleluia

Tenho acompanhado a divulgação, através da sua assessoria de imprensa, de opiniões ferrenhas do senhor contra a criação do Conselho de Jornalismo. Até o momento não consegui entender como um homem, um político tão inteligente como o senhor, tenha se permitido ao equívoco na análise da proposta de criação deste conselho, imprescindível para a fiscalização da profissão do Jornalista. Cruzei com o senhor no elevador da Assembléia Legislativa da Bahia, na última segunda-feira, às 18h30, mas não pude parar para tentar conversar pessoalmente porque estava com o horário corrido para outro compromisso.

Filha de ex-chesfiano, nascida e criada em Paulo Afonso - BA, o conheci enquanto presidia a CHESF. Sei que o senhor é engenheiro elétrico e, certamente, teve que se inscrever, enquanto exercia sua profissão, no Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura. Sabe, portanto, qual a finalidade, a atribuição e a importância de um conselho de classe. Sabe, consequentemente, que a finalidade do Conselho de Jornalismo não é de cercear a liberdade de imprensa, a liberdade de expressão.

O senhor, deputado Aleluia, sabe que liberdade de imprensa é ameaça desde o momento em que foram distribuídas concessões de rádio e TV a grupos políticos e quando os grandes jornais também são comandados por esses grupos políticos ou então por grupos econômicos aliados a esses grupos políticos. A liberdade de imprensa só existirá se não ficar refém do Interesse do Patrão - IP.

Como aprendi na faculdade, para fundamentar nossas informações temos que apurar, que pesquisar. E estive pesquisando no Sistema de Informações do Congresso Nacional e constatei que no Brasil existem 26 conselhos e duas ordens. Segundo a Classificação Brasileira de Ocupações, do Ministério do Trabalho, são 53 as profissões regulamentadas, entre elas a de Jornalista. A nossa profissão está, injustamente, entre as que não tem conselho profissional.

O Presidente Lula foi acusado, inclusive pelo senhor, de querer cercear a liberdade de imprensa com o projeto de criação do Conselho Federal de Jornalismo – ou dos profissionais de jornalismo, se assim preferir.

Aproveitei as poucas horas livres de dois dias e fiquei na internet pesquisando. E encontrei o seguinte:
1) O CFJ não seria o único a ser autarquia – todos são autarquias. Segundo José pastore, sociólogo e professor da USP, durante muito tempo, os conselhos profissionais foram uma extensão do poder público, estando vinculados ao Ministério do Trabalho, gozando de ampla isenção de impostos e sendo obrigados a prestar contas ao Tribunal de Contas da União. Com a Lei 9.649/98, eles foram desvinculados do poder público e reclassificados como entidades de direito privado, libertando-se do Tribunal de Contas da União, conservando as isenções de tributos e retendo as funções de fiscalização e policiamento. Em 22 de setembro de 1999, segundo informativo do Conselho Federal de Odontologia de outubro do mesmo ano, decisão do STF promove volta dos Conselhos Profissionais à condição de autarquia federal. O julgamento teve como Relator o Ministro Sydney Sanches e, com essa mudança, os Conselhos deixam de ser uma entidade de direito privado, voltando a ser uma autarquia federal. Em seu parecer, o Ministro Sydney Sanches assim se expressou:
“Os órgãos criados por lei federal, com a finalidade de proceder o
encargo constitucional da União de fiscalizar o exercício das profissões têm
inegável natureza pública, na medida em que exercem típica atividade
estatal.”

2) Os contrários ao CFJ, instigados e até manipulados pelos donos dos veículos de comunicação, argumentam que a liberdade de imprensa estava ameaçada porque previa como sanção a CENSURA PÚBLICA. Todos os conselhos têm poderes. São eles que estabelecem as regras de admissão no mercado reservado; fixam o valor das contribuições anuais, taxas, emolumentos e multas; e aplicam penalidades, que podem variar entre a advertência ao cancelamento definitivo do registro profissional. As normas existem para serem cumpridas e aqueles, que infringirem as determinações expressas, poderão sofrer as penalidades previstas. Esta é a regra geral. Na profissão jornalística não seria diferente. Penalidades éticas de advertência reservada e censura reservada são de natureza sigilosa, enquanto que a CENSURA PÚBLICA, como o próprio nome revela é do conhecimento do público. Ou seja, é divulgar a advertência . No CREA também é assim, se o senhor se lembra.

3) A fiscalização do exercício de profissões regulamentadas, de acordo com a decisão do STF, acima citada, emerge como finalidade pública, eis que diz respeito à própria essência do interesse público. Para o Ministro Sydney Sanches, ao contrário do interesse de corporação, os Conselhos de fiscalização, investidos de poder de polícia, defendem os interesses públicos da sociedade e do cidadão usuário dos serviços profissionais. Os Conselhos têm capacidade legal de praticar atos administrativos, sob matéria de sua competência. Além do mais, os Conselhos possuem “poder dever” processante e punitivo sobre os inscritos em seus quadros, cumprindo-lhes apurar as denúncias que chegam ao seu conhecimento, aplicando, após o devido e regular processamento disciplinar, as penalidades previstas, inclusive de cassação do exercício profissional.

Onde está a impossibilidade de termos o CFJ, deputado Aleluia? Ainda não encontrei. Aliás, encontrei sim. Encontro todos os dias ao ler os jornais e ver que cada um dá a versão que quer ao fato. Tenho minha ideologia, mas há muitos anos impedi que ela pautasse a minha ação como profissional do jornalismo. Para isso, sempre procurei ouvir os dois lados da questão, o que me fez respeitada junto às fontes.

Quero ter o orgulho de ver a minha profissão fiscalizada, regulamentada. Quero ter a certeza de que a minha profissão não será cassada, que o meu diploma continuará a ter valor, que valeu a pena o sufoco que passei pra pagar minha faculdade – fiz na Universidade Católica de Pernambuco, pagando do meu próprio bolso, com muito orgulho.

Para conhecimento do senhor, listo abaixo as profissões que têm conselhos. Estão por ordem de criação do Conselho. Pode ver que a maioria foi por decreto.

Ordem dos Advogados do Brasil – OAB - do decreto n. 19.408, de 18 de novembro de 1930
Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia - CONFEA - DEL 3995 de 31/12/1941 - DECRETO LEI
Conselho Federal de Medicina - CFM - DEL 7955 de 13/09/1945 - DECRETO LEI
Conselho Federal de Contabilidade – CFC - Decreto-lei nº 9.295, de 27 de Maio de 1946:
Conselho Federal de Economia – COFECON - LEI 1411 de 13/08/1951 - LEI ORDINÁRIA
Conselho Federal de Química – CFQ - LEI 2800 de 18/06/1956 - LEI ORDINÁRIA
Conselho Federal de Farmácia – CFF - LEI 3820 de 11/11/1960 - LEI ORDINÁRIA
Ordem dos Músicos do Brasil – OMB - LEI 3857 de 22/12/1960 - LEI ORDINÁRIA
Conselho Federal de Biblioteconomia – CFB - LEI 4084 de 30/06/1962 - LEI ORDINÁRIA
Conselho Federal de Odontologia – CFO - LEI 4324 de 14/04/1964 - LEI ORDINÁRIA
Conselho Federal de Representantes Comerciais - CONFERE - LEI 4886 de 09/12/1965 - LEI ORDINÁRIA
Conselho Federal de Administração – CFA - DEC 61934 de 22/12/1967 - DECRETO
Conselho Federal de Estatística - CONFE - DEC 62497 de 01/04/1968 - DECRETO
Conselho Federal de Medicina Veterinária – CFMV - LEI 5517 de 23/10/1968 - LEI ORDINÁRIA
Conselho Federal de Profissional de Relações Públicas – CONFERP - DEL 860 de 11/09/1969 - DECRETO LEI
Conselho Federal de Psicologia – CFP - LEI 5766 de 20/12/1971 - LEI ORDINÁRIA
Conselho Federal de Enfermagem – COFEN - LEI 5905 de 12/07/1973 - LEI ORDINÁRIA
Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional – COFFITO - LEI 6316 de 17/12/1975 - LEI ORDINÁRIA
Conselho Federal de Corretores de Imóveis – COFECI - DEC 81871 de 29/06/1978 - DECRETO
Conselho Federal de Nutricionistas – CFN - DEC 84444 de 30/01/1980 - DECRETO
Conselho Federal de Biomedicina - CFBM - DEC 85005 de 06/08/1980 - DECRETO
Conselho Federal de Biologia - CFBio - DEC 85005 de 06/08/1980 - DECRETO
Conselho Federal de Fonoaudiologia – CFFA - LEI 6965 de 09/12/1981 - LEI ORDINÁRIA
Conselho Federal de Museologia – CONFEM - DEC 91775 de 15/10/1985 - DECRETO
Conselho Nacional de Técnicos em Radiologia – CONTER - Lei nº 7.394, de 29 de outubro de 1985 (vetado posteriormente)
Conselho Federal de Economistas Domésticos – CFED - LEI 8042 de 13/06/1990 - LEI ORDINÁRIA
Conselho Federal de Serviço Social – CFESS - LEI Nº 8.662, de 7 de junho de 1993
Conselho Federal de Educação Física – CONFEF - LEI 9696 de 01/09/1998 - LEI ORDINÁRIA

Na certeza de ter contribuído para uma análise do senhor mais profunda da proposta do Conselho de Jornalismo, despeço-me, colocando a disposição para uma discussão mais aprofundada.

Comentários

  1. Vandinha, sua carta esta excelente... ! Vc arrasou mesmo! Parabéns! Um beijo, Ludmilla

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  2. Mandou muito bem, Vanda!! Assino embaixo!

    Ernesto

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  3. É incrível a pressão contrária à criação de uma entidade que rege a prática profissional de tantas outras profissões.Parabéns Vanda.Conselho já!
    BjoGabriela Rossi

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  4. VandaQuando li, logo cedo, achei vc muito corajosa. E fui checar sua cidade natal. Pensei: esse tom destemido e direto a um deputado que não dá muita abertura, apesar da aparente civilidade , tinha que ter uma causa muito nobre. Já passei o recado adiante desde cedo. Estou aqui para reforçar a sua grande atitude pela luta de algo que parece tão óbvio nas estruturas profissionais e que encontra uma resistência sem justificativas.Vamos em frente.
    Liliana Peixinho www.amigodomeioambiente.com. br

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