Pular para o conteúdo principal

O que fizemos aos nossos homens?


Quando criança, lá em Paulo Afonso (nordeste da Bahia), ouvia e acreditava nas histórias que mamãe contava sobre os "papa-figo" - homens e mulheres abastados de uma região de Pernambuco que sofriam de uma rara doença que lhes fazia crescer demasiadamente as orelhas, cujo remédio era comer fígado humano. Os "papa-figo" andavam em carros pretos, de vidros escuros, pegavam crianças que estavam sozinhas nas ruas, matavam-nas e retirava o fígado, deixando dinheiro a título de indenização. Nunca duvidei da veracidade das histórias de dona Nicinha e das minhas tias, pernambucanas de Pão de Açúcar, distrito de Pesqueira.


Não relembro meus medos e crenças infantis para falar de folclore e de lendas. Mas para mostrar como as mães têm uma importância fundamental na formação dos seus filhos. O que é dito é incutido, mesmo que algumas vezes de forma subliminar. É absorvido o "meu filho querido", o "bebê da mamãe", mas também o "seu peste", " desgraça"," menino ruim", etc.


Ontem, ao cobrir assessorados em Audiência Pública sobre segurança pública na Assembléia Legislativa da Bahia, ouvi de uma assessora da Secretaria Estadual de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos que 96% dos detentos do sistema prisional e carcerário da Bahia são do sexo masculino. Fiquei assustada e me obriguei a uma reflexão. À noite, durante doutrinária no Instituto Espírita Boa Nova, lancei a seguinte reflexão para trabalhadores e assistidos: o que temos feito com os nossos homens? Como temos tratado nossos filhos, sobrinhos e netos? Onde erramos para que haja uma desproporcionalidade tão gritante no cometimento de crimes?


Com certeza não temos feito aos meninos-homens o que gostaríamos que nos fizessem. Não é só a questão do amor, do carinho, mas também do limite, da designação de tarefas, da formação do caráter, que implicarão em cidadãos conscientes da força interior que os fará vencer suas vicissitudes com garra e determinação, da necessidade de respeito ao próximo, da importância de se amar e se respeitar, de amar e respeitar para ser amado e respeitado.


Uma pessoa só não pode mudar o mundo, que se torna cada vez mais violento. Mas cada pessoa pode mudar o seu mundo interior; consequentemente, despertará quem esteja ao seu lado para a mudança.

Minha mãe acreditava que nos prender em casa impediria o ataque dos "papa-figo". Um contigente enorme da população acha que construir novos presídios e adotar a tolerância zero vai diminuir o índice de violência. Será? E quando os criminosos forem nossos próprios filhos, sobrinhos, netos, o que faremos?

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Quantas moradas tem o seu afeto?

Vanda Amorim · Quantas moradas tem o seu afeto Onde é o seu lugar, o seu lar? Temos um único lar, uma única família ou, como diz na Bíblia sobre a "Casa do Pai", também podemos ter muitas moradas? Acredito nas muitas moradas de Deus e na possibilidade de muitas moradas nossas, nas devidas proporções, claro! Comecei a refletir sobre isso ao acordar hoje, dia em que completo 32 anos que cheguei a Salvador, e resolvi confabular com vocês. Minha morada inicial nesta encarnação é Paulo Afonso - BA. Ali fui recebida por meus pais, Nilton e Nicinha, e por cinco irmãos (três meninas e dois meninos); também por meus avós maternos, Zezinho e Minice, e por tias, tios, primas e primos. Depois recebi com minha família outras cinco irmãs.  E depois mais cinco irmãs e um irmão, trazidos só por meu pai, em nova união. Meu coração aprendeu a amar ali.  Muitos dos que alimentaram este coração já retornaram ao lar espiritual: meus avós, tias e tios. Do lado materno só Manezinho prossegue c...

A água doce está acabando

Mais de 1 bilhão de pessoas poderão sofrer com a falta de água em um futuro próximo. Essa foi a conclusão a que chegaram os mais de 400 cientistas que participaram, em Bruxelas, da segunda parte de um relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas ( IPCC , na sigla em inglês). Talvez ele quisessem dizer que outros 1 bilhão vão sofrer também com a falta d'água. Sim, porque o Greenpeace vem alertando há tempos que JÁ falta água para cerca de 1,7 bilhão de pessoas em todo o mundo. Alerta, também, que a água doce representa 2,5% do total da água existente no mundo e desta, não podemos beber quase nada, pois 99,7% dela está nas geleiras e sob o solo, nos lençóis freáticos profundos (água subterrânea). Essencial para a vida, a água doce já se esgota em muitas partes do planeta. O Brasil, com uma das maiores reservas do planeta, é um dos países que mais desperdiçam esse recurso. O uso doméstico consome cerca de 10% do total, e economizar água em casa faz muita difere...

São Francisco é a inspiração para me livrar de mágoas

Será que somos capazes, mesmo, de fazer exatamente o que pede São Francisco de Assis em sua prece? Você não conhece? Talvez pense que não, mas acho que conhece. Ela diz assim: "Senhor, fazei-me instrumento de vossa paz. Onde houver ódio que eu leve o amor. Onde houver ofensa, que eu leve o perdão. Onde houver discórdia, que eu leve a união. Onde houver dúvida, que eu leve a fé..." Sempre achei, no alto da minha presunção, vaidade e orgulho, que eu era, sim, capaz de ser parte dessa oração. Sei, e quem está ao meu redor sabe, que realmente procurei, durante anos, levar amor onde havia ódio, perdoar ofensas, buscar a união e alimentar a fé. Assim fiz para a construção da minha família com o meu amor. Também o fiz para a reconstrução e harmonia da grande família construída por meu pai. Fiz isso por quase uma década, inspirada pelo exemplo de amor e perdão dado por minha mãe. Procurei me aproximar e trazer juntos quase todos, com carinho e atenção. Mas alguma coisa não...