Era uma vez um jovem
sertanejo, que labutava na roça com seus irmãos e pai na zona rural de Cacimbinhas,
Alagoas, mas sonhava com um algo mais.
Aos 17 anos, soube que a Companhia
Hidroelétrica de Paulo Afonso - Chesf iria construir uma hidroelétrica em
Forquilha, Bahia. Decidiu, então, seguir os passos do irmão mais velho e foi
atrás do emprego.
Assim começa, na Bahia, a
história de Nilton Cavalcante Amorim, meu pai. Nascido em 12 de agosto de
1933, Riacho do Mel, um sitio em Palmeiras dos Índios, Nilton foi o
segundo dos 10 filhos de Floriza Cavalcante Amorim e João Braz Amorim,
agricultores. Ela, de Pernambuco. Ele, de Alagoas.
Sua infância e adolescência
foram vividas entre os povoados Mata Burro, Tingui e Lagoa do Boi, na
árdua lida com roças e secas intermitentes. Nem mesmo tinha acesso regular
à escola, tamanha a dificuldade enfrentada, comum às famílias no sertão.
O irmão mais velho, Manoel
Cavalcante Amorim, já tinha seguido para Forquilha e Nilton decidiu repetir
seus passos. Partiu para Forquilha, na Bahia, bem na divisa com o seu
estado natal. Foi determinado a conseguir uma vaga na Companhia.
Acreditava que era a sua chance de conquistar uma vida melhor.
Em 7 de
outubro de 1950 chegou a Forquilha, no Município de Glória, Nordeste da Bahia, que
posteriormente passou a ser conhecida como Paulo Afonso, cidade que abriga
cinco hidroelétricas.
Como Nilton, milhares de
homens – alguns mais jovens, outros, mais velhos – tinham na Chesf
a oportunidade de ter um emprego e renda para alimentar a si e à sua
família. A disputa era grande. Chegavam aos montes homens de Alagoas,
Paraíba, Pernambuco e até mesmo de outras áreas da Bahia. O trabalho era
braçal, mas isso não lhe intimidava. Quem cuidava da roça já estava acostumado.
O problema para
Nilton Cavalcante Amorim era seu tipo físico: franzino, pouco mais de 1,60 m.
Também era problema a sua idade – 17 anos. Para trabalhar tinha que ter
18. Para ser escolhido junto a uma multidão, Nilton ficou na ponta dos
pés.
Para ser contratado, disse que tinha 18 anos. Prova não tinha. Só sua
palavra. Naquele tempo não se exigia documentos. Aliás, nem todas as
pessoas tinham registro de nascimento ou outro documento de identidade. E
assim foi escolhido na presença do engenheiro Apolônio Sales (primeiro
presidente da Chesf) com mais um batalhão de peões.
Operário
Sua experiência na Chesf
começou em 16 de outubro de 1950 como trabalhador braçal na construção da
barragem para implantação das usinas Paulo Afonso I, II e III. Sua primeira
matrícula foi 304.
Nilton contava que depois de um dia de trabalho duro
estava tão cansado que não tinha ânimo para estudar. Tampouco tinha incentivo
de quem quer que fosse. Até ali tinha só até a 4ª série.
Junto com o irmão Manoel,
morou no alojamento da Chesf, na área dos antigos galpões, perto do lago que
depois viraria o balneário. Dividia o espaço em redes com quase uma centena de
outros trabalhadores.
Por considerar inseguro, vez que não tinham armários para
guarda dos seus pertences, Nilton e o irmão resolveram alugar um canto na Vila
Poty.
Ao final do primeiro ano de trabalho na Chesf, Nilton Amorim, o
galeguinho dos olhos azuis, como muitos colegas o chamavam, passou a trabalhar
na montagem da subestação. A atividade, além de menos cansativa que a anterior,
despertou a necessidade e o interesse em estudar.
Juntou-se a outros
trabalhadores e contrataram um professor para prepará-los para o exame de madureza
(de acordo com o artigo 99, e seu parágrafo único da Lei 4.024, de 20 de
dezembro de 1961 (equivalente ao atual Supletivo)). Aprovado, pode iniciar o 1º
ano colegial (Administração de Empresas) Colégio Sete de Setembro.
Por um período ocupou a
função de telefonista, mas retornou logo para a montagem. Quando a montagem
mecânica da subestação acabou, Nilton Amorim passou a trabalhar na instalação
elétrica da usina, que foi inaugurada em 1955.
Iniciando a família
Nesse mesmo ano nasceu sua primogênita,
Maria de Fátima, fruto do seu casamento (em 1954) com Maria Cleonice Galindo
Melo, imigrante de Pesqueira (PE).
Nesta época morava nas casas tipo O, perto
da Escola Adozindo Magalhães de Oliveira. A partir daí passou a trabalhar como
eletricista na parte da operação da Usina Paulo Afonso I, onde atuou por seis
anos.
Depois da casa perto do Adozinho,
Nilton e a família foram morar nos galpões, perto de onde ele já tinha morado
assim que entrou na Chesf. Menos de um ano depois ganhou o direito de morar em
uma casa maior, na Rua L (atual Rua das Camélias), 96.
Com ambição de crescer
profissionalmente, decidiu fazer no Instituto Monitor, pioneiro em educação à
distância no Brasil, os cursos de Rádio e Televisão, e Eletrônica.
Também
começou a estudar Inglês com o professor Aquino, que era o chefe dos Correios
naquela época, em aulas particulares. Para isso, adquiriu um gravador de áudio
com fita de rolo, onde estudava diariamente na sua oficina, em nossa casa.
Com o certificado de
técnico em Eletrônica e em Rádio e Televisão em mãos, em 1961, Nilton Amorim
pediu para trabalhar no setor de Eletrônica da CHESF. Com orgulho lembro que
meu pai instalou o sistema de som da Escola Adozindo Magalhães de Oliveira,
onde todos os dias ouvíamos e cantávamos a oração de São Francisco.
História da comunicação
Em 1962 (ano em que nasci),
começou a contribuir para que os pauloafonsinos e moradores das cidades
circunvizinhas de Alagoas e Pernambuco tivessem acesso à transmissão do sinal
de televisão.
Sua história se entrelaça
com a história da Chesf, com a história de Paulo Afonso e a história da
televisão e da comunicação em Paulo Afonso e região.
A história da Comunicação
em Paulo Afonso passa diretamente pela história deste técnico em
telecomunicações, Nilton Cavalcante Amorim.
Em grande parte das quatro
décadas que trabalhou na Companhia Hidroelétrica de Paulo Afonso foi um dos
principais responsáveis pela implantação do sinal de televisão no município e
em outros municípios vizinhos da Bahia, Pernambuco e Alagoas.
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Não lembro de todos. Da esquerda para direita: Araújo, (...),(...), papai, Hans e Hermes |
Naquele ano a Chesf deu início
à repetição do sinal de televisão com um equipamento “caseiro” feito por Nilton
Amorim e outros técnicos no laboratório de Eletrônica da empresa. Na Serra da
Maravilha (AL), a equipe teve que subir a pé com os equipamentos e material
para instalação da torre de transmissão.
Anos depois a Chesf fez a estrada,
facilitando o trabalho de manutenção. Foram instaladas por Nilton Amorim e
colegas repetidoras em Paulo Afonso (na antiga Fazenda Chesf), Maravilha, Água
Branca e Prata (AL), Garanhuns e Itaparica (PE).
Em 1964, aos 31 anos, Nilton
Amorim assumiu a chefia do Laboratório de Eletrônica da Chesf.
Dali ele
supervisionava o trabalho de pesquisa de sinal das emissoras, o pedido de aquisição
de equipamentos (feitos ao Rio de Janeiro), a instalação das torres e linhas de
energia e dava manutenção às repetidoras de televisão.
Nessa época convivíamos constantemente com alguns dos seus amigos, a exemplo de Gérson Campeão, Moacy e Seu João da repetidora (da Fazenda Chesf).
Edson Siqueira, operador
de subestação e posteriormente operador de Sistema da Chesf, disse que sempre
admirou Nilton Amorim: “Excelente técnico, muito inteligente e reconhecido em todo
o Nordeste”. Ele conta que ao chegar a Goianinha (PE), onde a Chesf tinha uma
importante subestação de distribuição de linhas, Nilton Amorim já
era citado como uma das maiores autoridades em telecomunicação da Chesf.
Sinal de Televisão
Na década de 1970 o sinal
de TV já chegava a muitas casas. Mas não em todas. Era comum a televisão
solidária, onde os vizinhos assistiam novelas e programas no domingo à noite na
casa de quem tinha a TV.
Em nossa casa era uma Telefunken preto e branco,
compartilhada com todos os vizinhos, que enchiam a sala e a ária (terraço ou varanda).
Muitas mulheres xingavam Nilton sem nem mesmo conhecê-lo. É que nos horários
das novelas era comum a sua voz interromper a programação enquanto se
comunicava com a torre repetidora. Em todos os aparelhos da cidade, acompanhado
de chuvisco na imagem, ouvia-se o “alô maravilha, serra da maravilha, câmbio”.
Se fosse em final de novela, então...
Às vezes achavam que era de propósito,
mas ele garantia à família e amigos que não; apenas tentava resolver problemas
na transmissão do sinal.
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Formatura de Administração de Empresas |
Educação
Em seu aprimoramento no
saber, Nilton Cavalcante Amorim, além de cursar Administração de Empresas,
também cursou Contabilidade no Colégio Sete de setembro.
Como técnico em
Telecomunicações chegou ao nível funcional mais alto possível dentro da Chesf -
auxiliar de Engenharia III. Dali, só engenheiro.
Infelizmente, na década de
1980 não havia o atual acesso aos cursos de nível superior nas cidades do
interior. Para cursar Engenharia naquele período teria que morar no Recife,
capital pernambucana onde estava instalada a sede da Companhia.
Isso seria
muito
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Eu e meu pai na formatura de Contabilidade |
difícil sem os subsídios que a Chesf dava aos funcionários em Paulo
Afonso, como residência, água, luz, escola e assistência à saúde. Tudo
gratuitamente.
Viver fora da Chesf seria
muito difícil com tantas bocas para alimentar, corpos para vestir e mentes para
educar.
Em Paulo Afonso era muito mais que isso, pois sempre tinha um irmão,
sobrinho ou um cunhado a abrigar. Também tinha iniciado uma nova família com
Maria da Luz Rocha, natural de Maravilha.
Aposentadoria e empreendedorismo
Nilton Cavalcante Amorim
permaneceu chefiando o Laboratório de Eletrônica, que depois passou a
Laboratório de Telecomunicações, até aposentar-se com 41 anos e 5 meses de trabalho,
aos 58 anos e 5 meses de idade.
Na
época, o tempo máximo de serviço era 35 anos. Quando se afastou, ou melhor, foi
afastado a contragosto porque queria continuar seu serviço na Chesf, o funcionamento
das repetidoras já estava mais estabilizado, uma vez que a Chesf entregara a repetição
para as empresas geradoras, a exemplo da Detelpe (Recife-PE), Gazeta de Alagoas,
SBT e Globo, na Bahia.
Com a aposentadoria,
Nilton Amorim, que já tinha uma oficina eletrônica em sua residência, se tornou
um empreendedor.
Abriu a Eletrônica e Papelaria Amorim, empresa familiar, na Travessa
José Firmino Lins com a Rua Pedro Mendes. Pouco tempo depois abriu uma fábrica familiar
de móveis tubulares – a Metal & Cia, na Rua Presidente Médici com a Rua
Alto Nova. Alguns anos depois decidiu fechar a Metal & Cia e transferiu para
este imóvel a eletrônica.
Desde a sua aposentadoria trabalhou
diariamente, de segunda a sábado, mesmo que partir de 2005 não contasse com a
mesma visão que o fez conhecer cada circuito e componentes eletrônicos de rádio
e televisão.
A cegueira, que começou a alcançá-lo a partir de 2015, o impediu de conhecer internamente os aparelhos
digitais. Mas havia poucos técnicos com tanto conhecimento como ele nos
aparelhos eletroeletrônicos analógicos.
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Registro feito na Eletrônica Amorim em janeiro de 2013, já cego |
Duas famílias
Sua família foi ampliada
com mais seis filhos, desta vez com a sua companheira e, a partir de 2015,
esposa legalmente, Maria da Luz Rocha – Delma. São 17 filhos, 29 netos e sete
bisnetos. Todos vivos. Além disso, já são esperados até o final do ano de 2017,
mais um neto (ou neta) e mais uma bisneta.
Em 4 de junho de 2017,
apenas três meses antes de completar 84 anos, Nilton Cavalcante Amorim retornou
ao plano espiritual.
Deixou como legado o ensinamento de que filho é para toda
a vida; Deixou a ética, a responsabilidade, a honestidade e que o trabalho
edifica o homem e o estudo alimenta a mente.